Nos últimos anos o desenvolvimento tecnológico pôs em causa o equilíbrio entre liberdade de expressão e privacidade. Este ano o debate fez correr muita tinta.
Tudo começou quando no passado mês de Maio, o Tribunal de Justiça da União Europeia apoiou uma decisão que chamou de “direito a ser esquecido”, que permite que cidadãos que possam controlar seus dados e pedir aos motores de pesquisa, como o Google, para remover resultados pessoais inadequados. Na decisão do Tribunal Europeu estava em causa obrigar a Google a eliminar a ligação entre um cidadão espanhol Mario Costeja González e o anúncio publicado no jornal La Vanguardia em 1998 sobre um leilão de imóveis para o pagamento de dívidas à Segurança Social em que ele era indicado como um dos devedores.
Na sequência da decisão, o Google apesar de criticar a decisão do tribunal europeu (que só é válida no espaço da União Europeia), prontificou-se a acatar a decisão e disponibilizou um formulário para facilitar o envio de pedidos de esquecimento. Para fazer um pedido de remoção de links, é preciso preencher alguns campos obrigatórios (como o nome, o país de origem e um endereço de correio eletrónico), dizer quais são as páginas que a Google deve deixar de mostrar nas pesquisas e enviar uma cópia de um documento oficial com fotografia (como o cartão do cidadão, o passaporte ou a carta de condução). A quantidade de pedidos não é conhecida quando escrevo estas linhas, apesar de ter já sido noticiado que mais de 70 mil pessoas terão exercido o seu direito ao esquecimento (incluindo 683 pedidos de cidadãos portugueses no início de Julho de 2014 segundo a Exame Informática).
O debate está lançado na sociedade civil portuguesa. Para os defensores da liberdade de expressão censurar a Internet, pode ter o efeito pernicioso de dar novas ferramentas que ajudam os ricos e poderosos a esconder informações negativas sobre eles, e deixando os criminosos fazer as suas histórias desaparecem (exemplo desta situação é o facto de o Google já ter sido obrigado a excluir um link para este artigo absolutamente factual e não difamatório da BBC sobre Stan O’Neal, ex-CEO da Merrill Lynch, que em meados dos anos 2000, terá estado envolvido na crise do crédito hipotecário). Para os defensores do direito ao esquecimento está em causa a ideia de que não há erro que não mereça perdão, e ato relativamente ao qual não seja possível retração, dando-se com frequência o exemplo daquela jovem que publicou fotos suas em atos de intimidade com um namorado com que já não mantém relacionamento e que prejudicam a sua credibilidade quanto a uma oferta de emprego.
A nosso ver, o direito ao esquecimento é incontroverso na maioria das situações que abrange e encontra-se já hoje amplamente reconhecido pelos próprios agregadores de conteúdos. Não parece levantar grandes objeções que alguém que tenha publicado uma foto no Facebook ou um texto num blog tenha o direito de exigir a sua remoção anos depois por se ter arrependido ou já não concordar com o seu conteúdo. Ou mesmo o direito de exigir essa remoção a um terceiro que tenha republicado ou guardado esse conteúdo, sobretudo se ele for ofensivo ou se situar no âmbito da reserva da intimidade vida privada. E também não nos oferece problema o pedido de retirada de um artigo publicado a nosso respeito quando inclua informação falsa, controversa ou especulativa.
Mais difícil de medir no plano da liberdade de expressão parecem ser ou os pedidos de retirada de informação verdadeira ou do livre exercício da opinião nos media (por exemplo no debate politico).
Mas a questão mais sensível e interessante no plano jurídico é a que diz respeito ao exercício do direito ao esquecimento por parte de pessoas condenadas em Tribunal pela prática de crimes. No direito francês por exemplo le droit à l’oubli dá o direito a qualquer cidadão que tenha praticado um crime e cumprido integralmente a sua pena e se reabilitado perante a sociedade o direito de não serem publicitadas a memória dos factos que praticou. Ao contrário nos Estados Unidos o direito à publicação do registo criminal encontra-se protegido pela First Amendment da Constituição Americana. Entre nós não raro vemos divulgada nos media sem qualquer restrição ou rigor não só o relato de factos passados como atos processuais praticados no decurso do processos já findos (e que em alguns casos se traduziram na absolvição dos visados).
A meu ver, há um limite para o direito ao debate público sobre crimes praticados em que os delinquentes já cumpriram integralmente as suas penas, que deveria variar consoante a gravidade dos crimes (excluiria os crimes sexuais) e não ultrapassar 5 anos após a reabilitação. O princípio civilizacional da reabilitação que aceitamos como central no nosso direito penal e processual penal, com influência na gradação da penas e na sua execução, deve significar que alguém que num determinado período da sua vida praticou um ato reprovável do ponto de vista social não mantenha esse anátema para o resto da vida.
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