Todos os anos recrutamos jovens advogados e advogados estagiários e lemos centenas de curriculuns e cartas de apresentação. Com honrosas exceções as solicitações que recebemos são uma mistura de má organização do texto com incorreta pontuação, ortografia ou gramática. Perante estas comunicações coloco sempre a seguinte questão: se na antecâmara de conseguir um emprego licenciados em Direito, Pós-Graduados e Mestres têm tão pouco cuidado a dirigir-se a um colega; o que esperar quando enquanto nossos colaboradores se dirigirem a um cliente, à contraparte ou a um magistrado.
Semelhante raciocínio opera quando por deficiente organização do tempo revejo um email de um colega que se dirige a outro ou um cliente com excesso de coloquialismo. Por maior ou melhor relação que mantenhamos nada justifica que nos desfoquemos da importância que o assunto nos deve merecer.
Tenho plena consciência que um fator chave que leva ao decréscimo da qualidade da escrita profissional jurídica tem uma base tecnológica. Uma geração que cresceu com mensagens de texto e e-mails favorece frases incompletas, abreviaturas e símbolos. Mas não será redutor escrever de forma por que aliena destinatários porque ininteligível para boa parte deles.
Tenho plena consciência que outro fator a ter em consideração se prende com a degradação do ensino do Direito. A redução do tempo letivo com o processo de Bolonha e a mercantilização dos Mestrados conduziu a que os jovens candidatos à advocacia estejam hoje mais preparados para “cortar e colar” do que para criar de novo.
Tenho plena consciência que os debates dos advogados que passam na televisão mais vezes (a cacofonia do soundbite à porta de um Tribunal de Instrução Criminal tornou a mensagem jurídica subjetiva e redutora) e até de alguns dirigentes da Ordem não contribuem para a elevação do discurso.
Tenho plena consciência, por último, que para uma boa parte da geração que completou o curso na última década a empregabilidade na área do direito só cresceu em áreas em que a criatividade jurídica não é um fator de diferenciação; das multinacionais da cobrança de dívidas ou próprio estado (onde o trabalho é apresentado sob a forma de minuta pré preenchida em rede).
Mas todas estas razões muitíssimo ponderosas são a meu ver insuficientes para explicar a pobreza do discurso e da escrita jurídicas, sobretudo para um advogado ou para uma advogada.
Na boa tradição da advocacia o mérito da causa é discutido nas alegações que podem e devem fazer a diferença na formulação da convicção do juiz.
Na boa tradição da advocacia de cada artigo de um articulado podemos extrair factos e ideias que definem os méritos da relação material controvertida em processo civil, administrativo ou do trabalho; ou individualizam factos ou conclusões jurídicas no processo penal ou na jurisdição de família.
Na boa tradição da advocacia escrever pouco embora mais difícil é escrever bem porque se está a pensar naqueles que têm a tarefa de ler o produto do nosso trabalho e da nossa investigação (não deve haver nada mais desrespeitoso para um magistrado do que ver repetido nas conclusões de um recurso para um Tribunal Superior ipsis verbis toda a matéria do recurso e não apenas as ideias principais com remissões).
Dir-me-ão: alguns magistrados não ouvem as alegações com a atenção devida; formulam a sua convicção antes da discussão da matéria de facto e só leem as conclusões formuladas. Ainda que assim fosse – e em muitos casos felizmente não é – não nos fazermos ouvir ou ler com profissionalismo é sempre uma oportunidade perdida.
Foto por Patrick Fore em Unsplash
Deixe uma resposta