
Neste período de pandemia temos sido confrontados com múltiplos pedidos para a realização de Assembleias de Condóminos à distância por meios telemáticos (numa aplicação de vídeo conferência como o WebEx, Zoom, Teams, Hangouts ou similar) e do seu valor jurídico.
As questões relativas ao funcionamento das Assembleia de Condóminos encontram-se previstas no artigo 1432º do Código Civil, que na sua letra e espirito organizam o funcionamento de uma Assembleia presencial, nos termos seguintes:
Artigo 1432.º
(Convocação e funcionamento da assembleia)
1 – A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.
2 – A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.
3. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.
4 – Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.
5 – As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6 – As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.
7 – Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8 – O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.
9 – Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante.
Numa estrita e formalista conceção do direito, desligada da realidade social e dos interesses legítimos que visa proteger, ter-se-ia que reconhecer que expressões como “local” e “comparecer” constituiriam impedimento à realização de uma assembleia à distância, virtual e por meios telemáticos. Não é essa a nossa opinião. A realização de uma assembleia numa plataforma digital não encontra, a nosso ver, qualquer obstáculo à face da lei em matéria de funcionamento uma vez que as expressões artigo 1432º do Código Civil “local” e “comparecerem” para efeitos de convocatória e quórum devem ser interpretados atualisticamente (a última revisão do Capítulo da Propriedade Horizontal do Código Civil remonta a 1985) e não impedem por si só a realização digital da Assembleia. Desde logo, porque por “local” se pode interpretar o sitio da internet ou aplicação utilizada para a realização da Assembleia e porque a comparência não necessita de ser física (conforme já sucede com a representação por via de procuração nos termos do artigo 1431º do Código Civil). Na verdade, importa ter em linha de conta que a participação não presencial de um condómino numa Assembleia é uma situação comum e encontra-se prevista no nosso ordenamento jurídico, quer por via da procuração, quer por qualquer dos meios telemáticos citados, desde que tal tenha a concordância da Assembleia ou se encontre prevista no Regulamento.
No espectro contrário da discussão, existem um conjunto de outras razões relacionadas com as deliberações e a proteção dos ausentes de decisões surpresa que, do nosso ponto de vista, devem igualmente ser ponderadas na realização em condições de segurança de uma assembleia puramente virtual. Desde logo, porque a validade de uma deliberação virtual dependeria sempre de meios tecnológicos que podem não estar ao alcance de todos os condomínios o que afastaria da Assembleia a participação de todos os interessados (bastando um condómino interessado ser impedido de participar para condicionar a validade da Assembleia). Depois porque a validade das votações dependeria sempre da utilização de uma chave digital, tecnologia que não se encontra ainda suficientemente difundida na nossa sociedade (a sua integração no cartão de cidadão obriga ainda à utilização de um leitor). Por último, Assembleias complexas com necessidade de manejamento de múltiplos documentos a via digital sobretudo em ligações com falhas pode constituir um problema prático (nos últimos dias pelo menos 2 operadores apresentaram dificuldades a este nível).
Em Portugal não existe tradição de realização de Assembleias virtuais, nem jurisprudência dos Tribunais que decida esta discussão e noutros ordenamentos próximos como no Brasil as tímidas tentativas de virtualizar a Assembleia de Condóminos têm esbarrado com inúmeras dificuldades legais (veja-se os termos da discussão aqui: https://www.direcionalcondominios.com.br/sindicos/materias/item/1634-assembleia-virtual-nos-condominios-confira-os-pros-e-os-contras.html ). A jurisprudência portuguesa nem se mostra particularmente vanguardista quanto ao uso de meios tecnológicos com os Tribunais a manterem firme a jurisprudência de que o envio da convocatória para a Assembleia não pode ser realizada por email (ver http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/c7865d2f4e19cb3d80256c680054e29b?OpenDocument ).
Todas estas questões levam-nos a recomendar ao condomínio uma posição cautelosa. Deste modo, somos de opinião que a virtualização da realização da Assembleia para que possa ter base legal necessitará do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos: (i) a convocatória ser efetuada por carta registada com o aviso prévio fixado pelo regulamento ou lei e com a expressa menção de que a participação pode ser efetuada por um meio digital; (ii) a Assembleia realizar-se-ia em local a determinar com a presença física do Administrador, virtual de todos os condóminos que optem por esta via e física para os demais. (iii) as deliberações dos condóminos que participem virtualmente sem chave digital confirmadas por procuração a enviar ao administrador com a confirmação do sentido de voto; (iv) a ata seguiria igualmente por carta registada nos termos habituais.
Em alternativa à virtualização, e existindo largo consenso prévio na matéria a decidir, a Assembleia pode ainda ser efetuada com a grande maioria dos condóminos a outorgarem procuração com o sentido de voto a favor do administrador que a realiza sozinho ou acompanhado da uma minoria.
Por último, fazemos ainda notar que a nossa lei permite ao administrador praticar atos urgentes entre Assembleias, e posteriormente obter a ratificação dos demais condóminos em Assembleia Ordinária; sendo que a situação que vivemos permite qualificar de emergência mesmo uma situação de alteração de rotina ao Orçamento.
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